domingo, 13 de junho de 2021

Crise em Jerusalém: Violência entre israelenses e palestinos deixa dezenas de mortos; entenda motivos da recente escalada

Jerusalém tem sido palco de semanas de agitação e violência em nível não visto havia anos, em uma nova escalada de tensões entre palestinos e forças de segurança israelenses

Mulher palestina encara soldado israelense (Fonte: bbc.com)


Luan Fontes

03/06/21

bbc.com

Na noite de terça (11/5, no horário local), o grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, disse ter disparado mais de 130 foguetes em direção à cidade israelense de Tel Aviv, em reação a um ataque aéreo perpetrado por Israel que, segundo as autoridades locais, destruiu uma torre residencial palestina. O edifício de 13 andares havia acabado de ser evacuado quando foi atingido.

"Vamos cumprir nossa promessa de lançar um ataque massivo de foguetes contra Tel Aviv e seus subúrbios, em resposta ao ataque inimigo contra torres residenciais", diz comunicado do Hamas enviado à agência Reuters.

Desde segunda-feira (10/5), os militantes já haviam disparado mais de 400 foguetes contra Israel, matando dois israelenses. Na noite desta terça, o jornal Haaretz afirmou que um terceiro israelense foi morto pelos ataques palestinos.

Israel, por sua vez, afirmou ter atingido 150 alvos em Gaza. Autoridades de saúde calculam que houve ao menos 28 palestinos mortos, incluindo ao menos nove crianças.

Israel afirma que 15 integrantes do grupo palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza, estão entre os mortos. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, disse que o Hamas deve encerrar os ataques com foguetes "imediatamente", acrescentando: "Todos os lados precisam diminuir a escalada".

A porta-voz da Casa Branca Jen Psaki disse que o presidente dos EUA, Joe Biden, está seriamente preocupado com a violência.

Mas o premiê Benjamin Netanyahu defendeu a ação "com grande força" de Israel, afirmando que o grupo Hamas "atravessou uma linha vermelha".

Os mais recentes confrontos em Jerusalém ocorreram na segunda-feira em frente à mesquita de Al Aqsa, na cidade velha. Palestinos atiraram pedras na polícia de choque israelense, que disparou balas de borracha e gás lacrimogêneo.

O Crescente Vermelho Palestino (movimento humanitário semelhante à Cruz Vermelha) disse na segunda-feira que mais de 300 palestinos haviam sido feridos pela manhã.

A força policial israelense disse que 21 policiais ficaram feridos, três dos quais necessitaram de tratamento hospitalar.

Esses são os piores confrontos desse tipo em Jerusalém desde 2017, alimentados em grande parte por uma tentativa de colonos judeus de reivindicar a posse de casas de famílias palestinas em Jerusalém Oriental anexada a Israel. Esse imbróglio sobre as casas vem se arrastando há anos na justiça.

Confira abaixo três pontos importantes para entender a crescente tensão em Jerusalém.

 

1. Dia de Jerusalém

Os confrontos entre palestinos e forças de segurança israelenses ocorreram no fim de semana e pioraram na segunda-feira em torno da mesquita de Al Aqsa. A mesquita está situada em uma esplanada conhecida pelos muçulmanos como Haram al Sharif, ou Nobre Santuário, e pelos judeus, como Monte do Templo.

 

A força policial de Israel disse que milhares de palestinos montaram barricadas no local na noite de segunda-feira com pedras e coquetéis molotov em antecipação a um confronto durante uma marcha judaica planejada para para marcar o Dia de Jerusalém.

 

O primeiro-ministro Netanyahu defendeu o policiamento.

 

"Esta é uma batalha entre tolerância e intolerância, entre a violência sem lei e a ordem", disse ele. "Os elementos que querem expropriar nossos direitos nos obrigam periodicamente a permanecer firmes, como os policiais israelenses estão fazendo."

 

Por sua vez, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, condenou as ações israelenses.

 

"O ataque brutal das forças de ocupação israelenses aos fiéis na mesquita sagrada de Al Aqsa e sua esplanada é um novo desafio para a comunidade internacional", disse seu porta-voz, Nabil Abu Rudeineh.

 

Os conflitos começaram na véspera do Dia de Jerusalém, quando acontece a chamada Marcha da Bandeira, em que israelenses comemoram a captura da parte oriental de Jerusalém por Israel em 1967. Foi nessa ocasião, durante a Guerra dos Seis Dias, que Israel assumiu o controle efetivo de toda a cidade.

 

A Cidade Velha está localizada em Jerusalém Oriental, que abriga alguns dos locais religiosos mais sagrados do mundo: a Cúpula da Rocha e a própria mesquita de Al Aqsa dos muçulmanos, o Monte do Templo e o Muro das Lamentações, da religião judaica, e o Santo Sepulcro da religião cristã.

 

É considerada a cidade mais sagrada para o Judaísmo e o Cristianismo, e é a terceira cidade mais sagrada do Islã.

 

O destino de Jerusalém Oriental está no centro do conflito israelense-palestino, e ambas as partes reivindicam seu direito sobre a cidade. Israel considera a cidade inteira como sua capital, embora não seja reconhecida como tal pela maioria da comunidade internacional. Os palestinos reivindicam Jerusalém Oriental como a futura capital de um futuro Estado independente.

Normalmente, durante a Marcha das Bandeiras, centenas de jovens israelenses agitam bandeiras e caminham por áreas muçulmanas, cantando canções patrióticas.

Muitos palestinos veem isso como uma provocação. Anteriormente, a polícia israelense decidiu proibir os judeus de visitar o complexo durante as comemorações do Dia de Jerusalém.

2. Possível despejo de famílias palestinas

Criança palestina em meio à destruição (Fonte: bbc.com)

Grande parte da mais recente onda de violência aconteceu em meio a um esforço legal de anos por grupos de colonos judeus, que querem despejar várias famílias palestinas de suas casas no distrito de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental.

Uma decisão de um tribunal inferior este ano apoiando a reivindicação dos colonos despertou a ira dos palestinos.

A Suprema Corte de Israel deveria realizar uma audiência sobre o caso na segunda-feira, mas a sessão foi adiada devido aos distúrbios.

Bombardeios a Gaza (Fonte: bbc.com)
 
Bombardeios noturnos a Gaza (Fonte: bbc.com)


3. Tensões durante o Ramadã

Esta nova onda de violência ocorre nos últimos dias do mês sagrado muçulmano do Ramadã. As tensões aumentaram desde o início das festividades, em meados de abril, com uma série de eventos que geraram motins.

Quando o Ramadã começou, confrontos noturnos eclodiram entre a polícia e palestinos que protestavam contra barreiras de segurança do lado de fora do Portão de Damasco, na cidade velha de Jerusalém, que os impediam de se reunir ali durante a noite.

Mas os confrontos não se limitaram apenas a Jerusalém. Também foram registrados confrontos na cidade de Haifa, no norte de Israel, e perto da cidade de Ramallah, na Cisjordânia.

Negociadores do Quarteto para o Oriente Médio — grupo formado por Estados Unidos, União Europeia, Rússia e ONU para negociar a crise na região — expressaram profunda preocupação com a violência, instando todas as partes a adotarem moderação.

 

 

Pablo Iglesias deixa a política após “fracasso” da esquerda nas eleições de Madri

Unidas Podemos elege 10 deputados regionais, apenas três a mais que em 2019, apesar da incorporação do líder nacional da formação como cabeça de chapa

Pablo Iglesias deixa o Parlamento (Fonte elpais.com)


Luan Fontes

24/05/2021

Elpais.com

Pablo Iglesias está de saída. O candidato do Unidas Podemos (UP) anunciou na noite de terça-feira que deixará todos os cargos institucionais na política. O secretário-geral do partido esquerdista espanhol, que ao entrar na batalha eleitoral da região de Madri colocava sobre os ombros toda a responsabilidade do resultado, não conseguiu ser o diferencial que esperava quando decidiu renunciar ao cargo de vice-presidente do Governo (vice-primeiro-ministro). Depois de uma campanha tensa, marcada pelas ameaças de morte contra ele, os dados do UP na região que inclui a capital –10 deputados e 7,21% dos votos – precipitaram uma saída que Iglesias vinha preparando havia tempos.

“Deixo todos os meus cargos. Deixo a política entendida como política de partido e institucional”, afirmou o candidato em seu pronunciamento. “Continuarei comprometido com meu país, mas não vou ser um empecilho para a renovação de lideranças que precisa ocorrer na nossa força política”, manifestou, cercado da cúpula do seu partido, incluindo as ministras Irene Montero e Ione Belarra. Iglesias disse que se tornou um “bode expiatório” que mobiliza “os afetos mais sombrios e contrários à democracia”, por isso decidiu dar um passo atrás, consciente de que não conseguiu contribuir para que o projeto do Unidas Podemos possa “consolidar seu peso institucional”.

“O sucesso eleitoral impressionante da direita trumpista que [a candidata conservadora Isabel Díaz] Ayuso representa é uma tragédia para a saúde, a educação e os serviços públicos”, avaliou Iglesias. “Prevejo que estes resultados vão agravar os problemas territoriais na Espanha. Nunca Madri tinha sido tão diferente”, acrescentou o líder do UP, alertando que a “deslealdade institucional da Comunidade de Madri em relação ao Governo da Espanha e outras instituições vai se intensificar”.

“Fracassamos”, apontou Iglesias para definir os resultados da esquerda na eleição de terça-feira. “Estivemos muito longe de somar uma maioria suficiente para montar um Governo decente”, acrescentou, embora tenha felicitado a candidata do partido Mais Madri, Mónica García, que superou o PSOE (socialistas) em número de votos.

Depois dos retrocessos na Galícia e País Basco e de salvar a mobília na Catalunha ao obter o mesmo resultado de quatro anos antes, em março, Iglesias decidiu deixar o Executivo de coalizão com os objetivos de salvar seu partido em Madri, “conter o fascismo” e evitar que a ultradireita venha a participar de um Governo na Espanha pela primeira vez desde a restauração da democracia, em 1977. As pesquisas anteriores ao anúncio da sua candidatura situavam o Unidas Podemos abaixo da cláusula de barreira de 5% de votos para obter representação no parlamento regional, e com ele na lista esse perigo desaparecia.

Pablo Iglesias em discurso no Parlamento (Fonte: elpais.com)

A formação melhorou ligeiramente os resultados obtidos na eleição de 2019 (sete deputados e 5,6% dos votos), mas segue muito longe dos 27 deputados de 2015, e com uma lista muito diferente. Há dois anos, a candidata à presidência era a até então desconhecida Isabel Serra, que teve que assumir esse desafio após a deserção de Íñigo Errejón para fundar o Mais Madri junto com a então prefeita da capital, Manuela Carmena. Aquele movimento expôs a enésima luta interna da esquerda e relegou o Podemos ao último posto na Assembleia regional. Agora, apesar de enfrentar Iglesias como cabeça de chapa, o Mais Madri soma mais do que o dobro de assentos do UP, e isso com uma aspirante até recentemente desconhecida para a maioria, Mónica García, mas que soube crescer na campanha e fazer sombra ao ex-vice-premiê, que há algumas semanas lhe ofereceu uma candidatura conjunta que ela rechaçou.

Desde sua renúncia no Congresso dos Deputados e no Conselho de ministros, que decidiu estando consciente do desgaste que sua figura sofreu nos últimos anos, Iglesias tinha aberto a porta a novas lideranças. Começou esse processo já dentro do Governo de coalizão, ao alçar a ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, à terceira vice-presidência do Governo e apontá-la como futura cabeça de chapa em eleições gerais. Já a sucessão como secretário-geral do partido deveria esperar mais dois anos, data do próximo congresso, e em todo caso caberia a uma mulher tomar as rédeas da formação, conforme tinha manifestado o próprio candidato ao longo da campanha. Com o anúncio da noite da terça-feira, os prazos voam pelos ares, e a partir desta quarta se abre uma etapa para decidir o futuro da direção, uma questão complexa depois que Iglesias construiu nestes anos um Podemos fechado em torno de sua liderança. Até agora, era o único dos fundadores que resistiam na cúpula da organização. Carolina Bescansa, Luis Alegre e Íñigo Errejón foram afastados em diferentes etapas por discrepâncias com ele.

Pablo foi uma das principais figuras na esquerda espanhola (Fonte: elpais.com)

O passo atrás do líder da formação constata também o fracasso na estratégia das últimas semanas. O Unidas Podemos desenhou uma campanha para a “maioria trabalhadora”, concentrada nas cidades e distritos mais castigados da Comunidade, com a meta de elevar a participação nestas zonas tradicionalmente abstencionistas, mas o escrutínio mostra que, apesar de ter conseguido, os feudos da direita se mobilizaram muito mais. “Os dados são muito altos, mas não alcançamos o objetivo que buscávamos”, reconheceu Iglesias. “Pelo contrário, consolidou-se a vitória da direita e a presença institucional da ultradireita”, acrescentou.


Partido Comunista volta à linha de frente da política chilena

Prefeito Daniel Jadue aspira a chegar a La Moneda e lidera as pesquisas para as eleições presidenciais de novembro

Ascensão da esquerda no Chile durante o governo Piñera (Fonte: elpais.com)


Luan Fontes

24/05/21

Elpais.com

Nunca em sua história o Partido Comunista chileno teve um candidato presidencial tão perto do Palácio de La Moneda como agora. Nem mesmo quando a Unidade Popular, do socialista Salvador Allende, representava 17% das forças políticas que compunham o Governo. A seis meses das eleições presidenciais de 21 de novembro, o aspirante do PC, o prefeito Daniel Jadue, formado em Arquitetura e Sociologia, lidera as intenções de voto. Com 53 anos e de origem árabe, ele encabeça as preferências com 19,2% de apoio, segundo a pesquisa do instituto Activa Research. Os resultados das eleições para constituintes, governadores, prefeitos e vereadores no fim de semana passado ―quando votaram apenas 43% dos eleitores― são auspiciosos para a candidatura, que ainda saboreia uma clara vitória política da esquerda.

Marta Lagos, fundadora e diretora executiva do instituto Latinobarómetro, assinala que os resultados dos dias 15 e 16 para o Partido Comunista “não foram uma vitória eleitoral, mas política”. A analista se refere às 28 das 155 cadeiras, 18%, da Constituinte conquistadas pela aliança entre os comunistas e a Frente Ampla, um conglomerado de partidos de esquerda nascidos após os protestos populares. O PC, por si só, “obteve 4,99%”, o que equivale a sete cadeiras, aponta Lagos. Pode-se concluir que o partido foi punido da mesma forma que as organizações tradicionais da transição, onde o bloco da direita obteve 37 assentos (23,8%, o que o deixa sem possibilidade de veto na Constituinte) e a centro-esquerda, 25 (16,1%).

Se esses resultados forem comparados com a eleição de vereadores do mesmo fim de semana, na qual pôde ser medido o poder territorial de cada partido, observa-se uma distribuição semelhante à que havia no Chile a direita alcançou 33,14% dos votos, a centro-esquerda, 34,15% e a esquerda, 23,77%. O PC obteve 9,23%, um crescimento em relação aos 6% conquistados nas eleições de 2016.

“O resultado teria passado despercebido se não houvesse um candidato presidencial”, explica Lagos. A alta abstenção ―57%― afetou principalmente o centro, que voltará a se mobilizar para as eleições presidenciais de novembro. “O Chile não se moveu para a esquerda, o que acontece é que ele enfrenta uma dispersão de mil minorias”, afirma a pesquisadora, que reconhece as importantes vitórias políticas e eleitorais do PC − como a eleição da economista Irací Hassler para prefeita de Santiago, desbancando a direita.

Manifestação da esquerda chilena recordando o ex-presidente (fonte: elpais.com)



O PC chileno tem uma longa história desde sua fundação, em 1922. Ernesto Ottone, professor do Colégio de Estudos Mundiais de Paris e militante até o início dos anos 1980, explica suas peculiaridades. Inicialmente, porque tem um antecessor nascido antes da Revolução Russa, o Partido Operário Socialista, de 1911, fundado por Luis Emilio Recabarren, que só depois aceitou as 21 condições da Internacional Comunista. “Desde então, segue a história do Partido Comunista mundial, mas como teve uma vida anterior, vive uma espécie de esquizofrenia. Tem uma doutrina revolucionária ―marxista-leninista, ditadura do proletariado. Por outra, tem uma prática mutualista, sindicalista, reformista. Não faz apenas doutrina, também faz política”, assinala Ottone.

Em pouco tempo, o partido elegeu parlamentares e se tornou uma das forças políticas do país. “O PC chileno foi o mais importante da América Latina, com a maior influência e capacidade de mobilização e organização”, afirma o especialista. “Os principais momentos foram de 1938 a 1948―com a fundação da Frente Popular e os governos radicais―e, posteriormente, de sua legalização em 1957 até o golpe de Estado de 1973.” Em 1970, no início do Governo de Allende, “tinha mais de 150.000 militantes”, lembra Ottone.

O ex-militante considera que o partido sempre teve um comportamento contraditório. Em 1968, por exemplo, apoiou a invasão da Checoslováquia pela União Soviética. Com uma longa tradição institucional, o PC chileno apoiou depois a linha moderada da Unidade Popular de Allende, diferentemente do partido do presidente, o Socialista, com uma posição mais radical.

Com o golpe de Estado de 1973, o PC sofreu uma enorme repressão: foram assassinados dois líderes nacionais e um da juventude. No final daquela década, o partido foi influenciado pela luta armada, tanto a cubana como a nicaraguense. “A tendência militarista leva à formação da Frente Patriótica Manuel Rodríguez ―que atentou contra Pinochet em 1986 ―e se separa de sua história tradicional. Ganha posições radicais”, observa o acadêmico, que fazia parte dos setores internos derrotados e renunciou em 1981.

Com o retorno à democracia, a organização ficou de fora dos primeiros governos da Concertação e do Congresso. Os comunistas não acreditaram no pacto de governabilidade do centro com a esquerda e optaram pela oposição, sendo críticos da transição, o que os levou ao isolamento nos primeiros 15 anos de democracia. Existe uma segunda versão: a de que foi a Democracia Cristã que vetou um acordo com o PC, pois o considerava inviável.

Um acordo com a Concertação em 2008 permitiu que o PC elegesse dois prefeitos. Um ano depois, o partido elegeu três deputados. Guillermo Teillier, atual presidente do partido, chegou ao Congresso. Em 2013, o partido se somou à aliança que levou Michelle Bachelet ao poder pela segunda vez. Foi a primeira vez que o PC retornou a La Moneda desde o golpe, e fez isso com vários ministros. Aliado à centro-esquerda, obteve seis cadeiras no Congresso. Atualmente, tem nove deputados e um aspirante à candidatura presidencial, Jadue − reeleito prefeito de Recoleta, uma das comunas de Santiago.

Protesto pelo fim do legado de Pinochet (Fonte: elpais.com)


Jadue deverá disputar uma eleição primária em 18 de julho com outro aspirante presidencial da esquerda, o deputado Gabriel Boric, da Frente Ampla. Para sua equipe, o prefeito chamou especialistas que tiveram papéis fundamentais nos governos de centro-esquerda, como o economista Gonzalo Martner, que integrou o Governo de Ricardo Lagos e foi presidente do Partido Socialista em 2005. Segundo Martner, dois acontecimentos explicam a posição atual do PC: “A decisão de Bachelet de incluí-lo no bloco de Governo e o fim do sistema eleitoral binominal durante a mesma Administração” ―em 2018 foi realizada a primeira eleição sem esse sistema. Ele também considera fundamental a emergência de lideranças jovens, como a deputada Camila Vallejo, uma das líderes estudantis de 2011. Em 2019, com a experiência de ter participado do Governo, os comunistas aderiram às manifestações, o que gerou um clima político favorável a Jadue. “Ele se conecta muito bem com a rebelião de 2019 e se estabelece como figura de destaque”, diz Martner.

O economista afirma, sobre os resultados do fim de semana passado, que “não foi o Partido Comunista que se colocou no centro da cena política, e sim um candidato presidencial comunista”. Martner assinala que o aspirante presidencial não tem nada a ver com Nicolás Maduro nem com o regime cubano ou nicaraguense, e que é crítico desses governos. No início de abril, em uma reunião com pequenos empresários, Jadue confessou que um dos fracassos que não gostaria de repetir se chegasse a La Moneda seria “o capitalismo de Estado da União Soviética”, o que ele qualificou de “fracasso brutal”.

As placas tectônicas da esquerda no Chile não param de se mover. Uma aliança entre os socialistas de centro-esquerda com os comunistas e a Frente Ampla com vistas às eleições presidenciais durou apenas duas horas na quarta-feira. Isso teria originado um acordo histórico dos grupos de esquerda sem o centro, o que não ocorre há meio século no Chile. Os socialistas pularam fora após restrições para uma participação da socialista Paula Narváez nas primárias. “Não se humilha o partido de Salvador Allende”, disse o presidente do PS, Álvaro Elizalde. É uma história em andamento com um final incerto. Existe consenso de que as opções do candidato do PC sem a centro-esquerda não conseguirão uma maioria.