Luan Fontes
24/05/21
Elpais.com
Nunca em sua história o Partido Comunista chileno
teve um candidato presidencial tão perto do Palácio de La Moneda como agora.
Nem mesmo quando a Unidade Popular, do socialista Salvador
Allende, representava 17% das forças políticas que compunham o Governo. A seis
meses das eleições presidenciais de 21 de novembro, o aspirante do PC, o
prefeito Daniel Jadue, formado em Arquitetura e Sociologia, lidera as intenções
de voto. Com 53 anos e de origem árabe, ele encabeça as preferências com 19,2%
de apoio, segundo a pesquisa do instituto Activa Research. Os resultados das
eleições para constituintes, governadores, prefeitos e vereadores no fim de
semana passado ―quando votaram apenas 43% dos eleitores― são auspiciosos
para a candidatura, que ainda saboreia uma clara vitória política da esquerda.
Marta Lagos, fundadora e diretora executiva do
instituto Latinobarómetro, assinala que os resultados dos dias 15 e 16 para o
Partido Comunista “não foram uma vitória eleitoral, mas política”. A analista
se refere às 28 das 155 cadeiras, 18%, da Constituinte conquistadas pela
aliança entre os comunistas e a Frente Ampla, um conglomerado de partidos de
esquerda nascidos após os protestos populares. O PC, por si só, “obteve 4,99%”,
o que equivale a sete cadeiras, aponta Lagos. Pode-se concluir que o partido
foi punido da mesma forma que as organizações tradicionais da transição, onde o
bloco da direita obteve 37 assentos (23,8%, o que o deixa sem possibilidade de
veto na Constituinte) e a centro-esquerda, 25 (16,1%).
Se esses resultados forem comparados com a eleição
de vereadores do mesmo fim de semana, na qual pôde ser medido o poder
territorial de cada partido, observa-se uma distribuição semelhante à que havia
no Chile a direita alcançou 33,14% dos votos, a centro-esquerda, 34,15% e
a esquerda, 23,77%. O PC obteve 9,23%, um crescimento em relação aos 6%
conquistados nas eleições de 2016.
“O resultado teria passado despercebido se não
houvesse um candidato presidencial”, explica Lagos. A alta abstenção ―57%―
afetou principalmente o centro, que voltará a se mobilizar para as eleições
presidenciais de novembro. “O Chile não se moveu para a esquerda, o que
acontece é que ele enfrenta uma dispersão de mil minorias”, afirma a
pesquisadora, que reconhece as importantes vitórias políticas e eleitorais do
PC − como a eleição da economista Irací Hassler para prefeita de Santiago,
desbancando a direita.
O PC chileno tem uma longa história desde sua
fundação, em 1922. Ernesto Ottone, professor do Colégio de Estudos Mundiais de
Paris e militante até o início dos anos 1980, explica suas peculiaridades.
Inicialmente, porque tem um antecessor nascido antes da Revolução Russa, o
Partido Operário Socialista, de 1911, fundado por Luis Emilio Recabarren, que
só depois aceitou as 21 condições da Internacional Comunista. “Desde então,
segue a história do Partido Comunista mundial, mas como teve uma vida anterior,
vive uma espécie de esquizofrenia. Tem uma doutrina revolucionária
―marxista-leninista, ditadura do proletariado. Por outra, tem uma prática
mutualista, sindicalista, reformista. Não faz apenas doutrina, também faz
política”, assinala Ottone.
Em pouco tempo, o partido elegeu parlamentares e se
tornou uma das forças políticas do país. “O PC chileno foi o mais importante da
América Latina, com a maior influência e capacidade de mobilização e
organização”, afirma o especialista. “Os principais momentos foram de 1938 a
1948―com a fundação da Frente Popular e os governos radicais―e, posteriormente,
de sua legalização em 1957 até o golpe de Estado de 1973.” Em 1970, no início
do Governo de Allende, “tinha mais de 150.000 militantes”, lembra Ottone.
O ex-militante considera que o partido sempre teve
um comportamento contraditório. Em 1968, por exemplo, apoiou a invasão da
Checoslováquia pela União Soviética. Com uma longa tradição institucional, o PC
chileno apoiou depois a linha moderada da Unidade Popular de Allende,
diferentemente do partido do presidente, o Socialista, com uma posição mais
radical.
Com o golpe de Estado de 1973, o PC sofreu uma enorme
repressão: foram assassinados dois líderes nacionais e um da juventude. No
final daquela década, o partido foi influenciado pela luta armada, tanto a
cubana como a nicaraguense. “A tendência militarista leva à formação da Frente
Patriótica Manuel Rodríguez ―que atentou contra Pinochet
em 1986 ―e se separa de sua história tradicional. Ganha posições radicais”,
observa o acadêmico, que fazia parte dos setores internos derrotados e
renunciou em 1981.
Com o retorno à democracia, a organização ficou de
fora dos primeiros governos da Concertação e do Congresso. Os comunistas não
acreditaram no pacto de governabilidade do centro com a esquerda e optaram pela
oposição, sendo críticos da transição, o que os levou ao isolamento nos
primeiros 15 anos de democracia. Existe uma segunda versão: a de que foi a
Democracia Cristã que vetou um acordo com o PC, pois o considerava inviável.
Um acordo com a Concertação em 2008 permitiu que o
PC elegesse dois prefeitos. Um ano depois, o partido elegeu três deputados.
Guillermo Teillier, atual presidente do partido, chegou ao Congresso. Em 2013,
o partido se somou à aliança que levou Michelle Bachelet ao poder pela segunda
vez. Foi a primeira vez que o PC retornou a La Moneda desde o golpe, e fez isso
com vários ministros. Aliado à centro-esquerda, obteve seis cadeiras no
Congresso. Atualmente, tem nove deputados e um aspirante à candidatura
presidencial, Jadue − reeleito prefeito de Recoleta, uma das comunas de
Santiago.
Protesto pelo fim do legado de Pinochet (Fonte: elpais.com)
Jadue deverá disputar uma eleição primária em 18 de
julho com outro aspirante presidencial da esquerda, o deputado Gabriel Boric,
da Frente Ampla. Para sua equipe, o prefeito chamou especialistas que tiveram
papéis fundamentais nos governos de centro-esquerda, como o economista Gonzalo
Martner, que integrou o Governo de Ricardo Lagos e foi presidente do Partido
Socialista em 2005. Segundo Martner, dois acontecimentos explicam a posição
atual do PC: “A decisão de Bachelet de incluí-lo no bloco de Governo e o fim do
sistema eleitoral binominal durante a mesma Administração” ―em 2018 foi
realizada a primeira eleição sem esse sistema. Ele também considera fundamental
a emergência de lideranças jovens, como a deputada Camila Vallejo, uma das
líderes estudantis de 2011. Em 2019, com a experiência de ter participado do Governo,
os comunistas aderiram às manifestações, o que gerou um clima político
favorável a Jadue. “Ele se conecta muito bem com a rebelião de 2019 e se
estabelece como figura de destaque”, diz Martner.
O economista afirma, sobre os resultados do fim de
semana passado, que “não foi o Partido Comunista que se colocou no centro da
cena política, e sim um candidato presidencial comunista”. Martner assinala que
o aspirante presidencial não tem nada a ver com Nicolás
Maduro nem com o regime cubano ou nicaraguense, e que é crítico desses
governos. No início de abril, em uma reunião com pequenos empresários, Jadue
confessou que um dos fracassos que não gostaria de repetir se chegasse a La
Moneda seria “o capitalismo de Estado da União Soviética”, o que ele qualificou
de “fracasso brutal”.
As placas tectônicas da esquerda no Chile não param
de se mover. Uma aliança entre os socialistas de centro-esquerda com os
comunistas e a Frente Ampla com vistas às eleições presidenciais durou apenas
duas horas na quarta-feira. Isso teria originado um acordo histórico dos grupos
de esquerda sem o centro, o que não ocorre há meio século no Chile. Os
socialistas pularam fora após restrições para uma participação da socialista
Paula Narváez nas primárias. “Não se humilha o partido de Salvador Allende”,
disse o presidente do PS, Álvaro Elizalde. É uma história em andamento com um
final incerto. Existe consenso de que as opções do candidato do PC sem a
centro-esquerda não conseguirão uma maioria.
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